28 dezembro 2017

Os meus votos para 2018: trazer o combate à pobreza para a agenda política e dar passos significativos para a sua erradicação!


Passado as festividades do Natal a agenda mediática volta-se agora com maior profundidade para o balanço do ano que agora termina e para a antecipação do que 2018 nos trará. Infelizmente é, no entanto, expectável que as questões da pobreza e da exclusão social, que de forma severa atingem milhares de portugueses e de portuguesas, fiquem de fora da observação dos principais meios de comunicação social e do debate público. Neste ‘post’ pretendemos colmatar essa lacuna, analisar a evolução recente dos principais indicadores de pobreza, a forma como as políticas publicas têm tratado desta questão e antecipar o que é possível neste campo antecipar para o ano de 2018.  

No que concerne ao balanço de 2017 gostaria de destacar dois acontecimentos relevantes: a publicação pelo INE dos dados mais recentes sobre a evolução dos principais indicadores estatísticos sobre a evolução da pobreza, da privação material e exclusão social que nos permitem uma avaliação mais aprofundada e actualizada da situação social do país e o anuncio pelo Governo Regional dos Açores da Estratégia Regional de Combate à Pobreza e à Exclusão Social. 

A evolução Recente dos Indicadores de pobreza
Os dados publicados pelo INE no final de Novembro confirmam o ciclo descendente da generalidade dos indicadores de pobreza e desigualdade iniciada em 2014, que inverteu o seu forte incremento no período mais severo da crise económica e das políticas de austeridade. No entanto, muitos dos indicadores de pobreza ainda se encontram aquém dos seus valores pré-crise. Por exemplo, em 2016, a taxa de pobreza do conjunto da população teve uma diminuição significativa de 0,7 pontos percentuais face a 2015, fixando-se em 18,3%, mas ficou ainda acima do seu valor de 17,9% em 2008/09.
Estes novos dados apresentam, porém, alguns indicadores muito positivos que, a manterem-se nos próximos anos, permitirão uma alteração significativa nos principais indicadores sociais e nas condições de vida das famílias. São de destacar:
§  A redução, em 2016, da taxa de pobreza das crianças e dos jovens em 1,7 pontos percentuais, atingindo o seu valor mais baixo, 20,7%, desde 2003, o ano inicial da presente série do INE;
§  O índice de Gini, apesar de uma redução menos expressiva, atingiu em 2016, 33,5%, que é igualmente o seu valor mais baixo desde 2003;
§  A diminuição de 1,5 pontos percentuais na taxa de privação material severa, que teve também em 2017 o seu valor mais baixo (6,9%) desde que é publicada;
§  A taxa de pobreza dos idosos, que tinha aumentado em 2014 e 2015, retomou o seu ciclo descendente fixando-se em 17,0% em 2016.
Estes dados reflectem certamente os efeitos conjugados da recuperação económica e a diminuição do desemprego, as políticas de reposição dos rendimentos familiares e, em particular, dos das famílias de menores rendimentos, e o reforço das políticas sociais de combate à pobreza, as quais tinham sido muito enfraquecidas durante o período de crise e das políticas de austeridade
Mesmo sendo muito encorajadores quanto à tendência e às dinâmicas ocorridas nas condições de vida da população, os resultados anteriores não devem fazer esquecer alguns factores de preocupação que são visíveis. Em primeiro lugar, persistem grupos da população com elevados níveis de incidência da pobreza, como as famílias monoparentais (com uma taxa de pobreza de 33,1%) e as famílias alargadas com crianças (com 41,4%). A população em situação de desemprego constitui igualmente um grupo social extremamente vulnerável às situações de pobreza e de exclusão social. A sua taxa de pobreza de 44,8% em 2016 foi 2,8 pontos percentuais superior à de 2015, mostrando como, apesar da sua redução, o desemprego permanece um dos principais factores de pobreza.
Por último, a taxa de pobreza da população empregue permanece praticamente inalterada nos últimos anos (10,8% em 2016), reflectindo as fragilidades do nosso mercado de trabalho e as profundas insuficiências que persistem nas políticas laborais e salariais vigentes.
Estes resultados globalmente positivos sobre a evolução recente dos indicadores de pobreza, de exclusão social e de desigualdade económica não nos podem fazer esquecer que Portugal continua a ser um país com elevados níveis de pobreza, de precariedade social e de assimetrias sociais. Neste contexto, continua a ser necessário um papel mais actuante das políticas públicas no combate às situações de maior vulnerabilidade social.

Região Autónoma dos Açores lança estratégia de combate à pobreza para dez anos
O Governo Regional dos Açores apresentou este mês a Estratégia Regional de Combate à Pobreza e Exclusão Social, a ser implementada no horizonte temporal 2018-2028. Este documento, que se encontra em discussão pública na região até 31 de Janeiro de 2018, assume como objectivo a melhoria substancial dos indicadores relativos à taxa de pobreza, no sentido de aproximar a região da média nacional e promovendo, simultaneamente, a coesão entre os diferentes territórios que constituem a Região Autónoma dos Açores.
Como refere o documento agora divulgado “pretende-se potenciar um conjunto de mecanismos que melhorem a articulação e a coerência das políticas públicas, desde logo, em áreas como a Educação e Formação, a Saúde, o Emprego e a Solidariedade Social, mas que se estenda, de forma abrangente, também a áreas da governação tradicionalmente mais afastadas desta problemática. A aferição do impacto das medidas desenvolvidas nas várias áreas governativas na redução da pobreza será o fio condutor para esta ação concertada, determinante para a melhoria da qualidade de vida de todos os açorianos, em particular, daqueles que ainda vivenciam situações de pobreza e de exclusão social, como fundamento de uma sociedade desenvolvida, inclusiva e coesa”.
Na apresentação pública da Estratégia o Presidente do Governo Regional dos Açores sintetizou o seu principal objectivo: “Esta é uma oportunidade histórica para abordarmos esta problemática [da pobreza] com uma motivação simples: Não deixar ninguém para trás”.
A luta pela redução sustentada da pobreza e pela sua erradicação deveria ser um desígnio nacional, e também regional, que colocasse as diferentes políticas públicas como um efectivo instrumento para se alcançar uma sociedade mais eficiente e mais justa, constituir um mecanismo fundamental para assegurar a coesão social e o respeito fundamental pelos direitos e a dignidade de todas as pessoas.
As razões da pobreza e da exclusão social são múltiplas abrangendo factores económicos, sociais, culturais e a própria história recente da forma como as nossas sociedades têm evoluído.
Mas uma das razões da sua persistência na nossa sociedade prende-se certamente com a falta de coragem política para lhe fazer frente.
Por essas razões não podemos deixar de reconhecer a importância desta medida. Sabemos que não será uma tarefa fácil, que encontrará obstáculos e dificuldades vindas de vários lados, que muitos dos resultados somente serão reconhecidos no longo prazo, que não será uma política com resultados políticos imediatos.
Mas é uma política necessária para melhorar as condições de vida de uma parte significativa da população dos Açores, até ao presente excluída do usufruto das condições materiais e dos direitos que a dignidade da pessoa humana exige, para promover uma efectiva coesão social e assegurar um desenvolvimento sustentado e justo da região.
A Estratégia Regional de Combate à Pobreza constitui nesse sentido um compromisso político do Governo Regional em afirmar a responsabilidade da sociedade em proteger os seus membros mais vulneráveis face às exigências e às dificuldades das sociedades contemporâneas.
O seu sucesso será importante para o desenvolvimento dos Açores, mas será também um exemplo do caminho a seguir no conjunto do país. É verdade que a pobreza e a exclusão social têm hoje uma incidência mais forte nos Açores que noutras regiões do país. Mas Portugal no seu todo continua a ser um país com elevados níveis de pobreza. A necessidade de uma estratégia nacional de combate à pobreza continua a ser um imperativo para termos uma economia mais justa, mais eficiente e com maior coesão social.
A decisão do Governo Regional dos Açores de colocar o combate à pobreza como um dos eixos principais da sua agenda política suscita-nos alguns comentários sobre as políticas de combate à pobreza no nosso país e, em particular, na Região Autónoma dos Açores.
A lógica da condução da luta contra a pobreza tem sido feita predominantemente a olhar para o retrovisor. Os principais indicadores disponíveis sobre o nível de pobreza e a exclusão social nos Açores referem-se ao ano de 2014 e assentam na publicação do Inquérito aos Orçamentos Familiares realizado pelo INE de cinco em cinco anos.
Através dele, ficamos a saber que os Açores era a região do país com menor nível médio do rendimento familiar e com a mais elevada taxa de pobreza monetária (28.3%), cerca de nove pontos percentuais acima da média nacional que era de 19.1%.
Os dados anuais mais recentes publicados pelo INE não abarcam a dimensão regional pelo que conhecemos a evolução da pobreza a nível nacional até 2016, mas ignoramos o que aconteceu a nível regional.
Esta situação será alterada a partir de 2019 quando o INE iniciar a publicação anual dos dados regionais sobre a pobreza e a exclusão social.
Para a Estratégia Regional de Combate à Pobreza isso será um instrumento precioso, mas igualmente um novo desafio. O poder monitorizar anualmente os dados sobre a pobreza permitirá uma intervenção mais informada e actualizada sobre as condições de vida da população na R.A.A., mas colocará igualmente uma exigência adicional sobre as políticas implementadas, a sua monitorização e avaliação.
A lógica da condução da luta contra a pobreza tem que ser feita olhando para o futuro, tendo em conta o horizonte temporal da estratégia e tendo sempre como objectivo a redução e eliminação dos factores estruturais que geram a pobreza e exclusão social.
Uma segunda observação prende-se com a abrangência que deve presidir à Estratégia Regional de Combate à Pobreza. Ainda que a população pobre seja o destinatário último da estratégia o combate à pobreza e à exclusão não pode ser feita exclusivamente com medidas destinadas aos pobres.
Uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social requer medidas de carácter transversal e a avaliação dos efeitos (positivos e/ou negativos) que cada política poderá ter sobre a pobreza e a exclusão.
Uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social exige alterações profundas nas prioridades que presidem à noção de desenvolvimento e consequentemente do investimento e da despesa pública.
Consequentemente, uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social exige coordenação política ao mais alto nível e a co-responsabilização dos diferentes sectores da administração pública na concretização dos vários objectivos da estratégia.
Um terceiro elemento corresponde à necessidade de a Estratégia de Combate à Pobreza ser capaz de identificar de forma clara os seus principais eixos e de adoptar políticas económica e sociais que articulem medidas de tipo “corrector” com medidas “preventivas” da geração de novas formas de pobreza;
A necessidade de conjugar políticas universais com políticas selectivas dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis; medidas que privilegiem colmatar o “défice de recursos” com medidas visando o reconhecimento e a efectivação dos direitos.
A capacidade de redução da pobreza depende não somente da quantidade das transferências sociais, mas também da sua qualidade.
Num contexto de contenção da despesa pública, que persistirá certamente ao longo dos próximos tempos, é importante que se dê atenção urgente ao reforço da qualidade da acção contra a pobreza, aperfeiçoando o que se conhece e abrindo novos domínios de acção.
A diferenciação positiva dos apoios do Estado, o direccionar dos recursos para os indivíduos em situação de pobreza extrema constitui, neste contexto, um elemento fulcral de uma política pública que efectivamente vise a redução das várias dimensões do fenómeno da pobreza.
As políticas sociais são necessárias, em alguns casos são urgentes, mas não são suficientes.
É necessário conjugar políticas de apoio financeiro às famílias pobres com acções ao nível do sistema educativo e de saúde, com medidas efectivas de inserção social e quando possível de integração no mercado de trabalho.
O aumento da escolaridade efectiva, o combate ao abandono escolar, a promoção da formação de adultos é, neste contexto, fundamental.
A Estratégia Regional de Combate à Pobreza proposta pelo Governo Regional dos Açores expressa, e bem na minha opinião, uma preocupação fundamental as crianças e os jovens em situação de pobreza. A sua concretização implica definir medidas de apoio às crianças e às famílias em que estas estão inseridas de forma a atenuar ou mesmo eliminar os mecanismos que sustentam a transmissão intergeracional da pobreza.
Um quarto aspecto que me parece fundamental é a consideração de que uma estratégia de combate à pobreza e à exclusão social obriga a uma política concertada de combate às desigualdades sociais.
A pobreza e a desigualdade são duas faces da mesma moeda e devem ser combatidas conjuntamente. Não é certamente por acaso que a R.A.A. conjuga a mais elevada taxa de pobreza regional com o maior nível de desigualdade das diferentes regiões.
Um quinto e último aspecto prende-se com os principais actores da Estratégia.
Uma estratégia nacional de combate à pobreza e à exclusão social implica a participação das pessoas pobres na busca de respostas adequadas, com respeito pela sua dignidade, interesses e aspirações.
Mas implica igualmente uma profunda capacidade de articulação entre os organismos públicos e a sociedade civil reconhecendo a complexidade crescente que envolve o combate à pobreza e que incentive a efectiva consolidação de novas formas de governança (parcerias, redes, etc.) que efectivamente contribuam para uma melhor capacidade de agir (inovação institucional, capacitação organizacional, competências específicas, técnicas e genéricas, etc.).
A procura de consensos tão alargados quanto possíveis e a partilha de responsabilidades entre os decisores políticos e as diversas organizações envolvidas no combate à pobreza e à exclusão social (autarquias, Instituições Particulares de Solidariedade Social, etc.) constituirá certamente um factor adicional de sucesso da própria estratégia.

Os meus votos para 2018
Os dois eventos aqui retratados permitem-nos olhar para 2018 com uma esperança renovada. A esperança que o caminho de redução dos principais indicadores de pobreza continue e se intensifique e a de que a corajosa iniciativa do Governo Regional dos Açores de colocar o combate à pobreza no centro das políticas públicas seja um exemplo e um incentivo na definição de novas e inovadoras formas de combate à pobreza a nível nacional. Um dos principais obstáculos à redução e à erradicação da pobreza é a falta de coragem política para lhe fazer frente. Permitam-me que recorde aqui uma frase proferida muitas vezes pelo saudoso Alfredo Bruto da Costa e que partilho integralmente: o combate à pobreza é, antes de tudo o mais, um problema político.
Os meus votos para 2018 são, assim, que o combate à pobreza entre resolutamente para a agenda política e que se possam implementar passos significativos para a sua erradicação!

Lisboa, 28 de Dezembro de 2017
Carlos Farinha Rodrigues

1 comentário:

  1. Na linha destes votos para 2018: oxalá ao nível da política nacional se siga o exemplo do Governo Regional dos Açores, isto é, que sejam tidos em conta, na formulação de políticas sectoriais, os impactos nas situações de pobreza. A luta contra a pobreza não é apenas uma política social, de fazer parte de uma política de desenvolvimento humano integral.
    29.Dez.2017 Cláudio Teixeira

    ResponderEliminar

Os comentários estão sujeitos a moderação.