27 julho 2017

Democracia e Retórica

Intervindo na Conferência Internacional “Democracy and Participation in the 21st Century”, organizada pela Associação Internacional de Sociologia no ISEG, nos dias 12 a 14 deste mês de Julho, colocávamos, entre outras, as seguintes questões:

            - será a alternância democrática suficientemente eficaz para erradicar as sequelas da inércia institucional, da burocracia e das medidas austeritárias  que a ideologia neo-liberal e os governos de direita têm vindo a reforçar?

- e os governos, enquanto reguladores e promotores de novas políticas públicas, conseguirão, efectivamente, fazer vingar as renovadas preocupações democráticas face à resistência daquele muro de inflexibilidade ?

Numa fase em que cada vez mais a política é vista como espectáculo por parte da opinião pública, corre-se o risco de muitas das medidas anunciadas não deixarem de parecer simples retórica, dada a impossibilidade de superação do colete de forças prevalecente. Sem que o queiramos, instala-se progressivamente uma dúvida avassaladora:

- será que a ideologia neo-liberal não continuará a estar presente mesmo depois da mudança de orientação  política do governo?  

Vinham estas questões a propósito das novas políticas e programas de desenvolvimento do conhecimento, anunciadas pelo actual governo português, e que se inscrevem abertamente no objectivo de construção de uma ampla democracia deliberativa naquele domínio[1].  

No entanto, inércia institucional, burocracia e sequelas austeritárias continuam a marcar também muitos outros domínios da realidade portuguesa dos nossos dias. É isso que vemos na falta de recursos, na teia hierárquica de incompetências várias, na inércia das decisões que obrigam – deviam obrigar – as cadeias de comando em tempo útil, na falta de transparência perante a opinião pública, na demora na contabilidade e reparação dos estragos. Estamos a pensar na situação dramática que o país vive com os incêndios, devastadores como nunca, intermináveis, diariamente reacendidos. Tal como no ano passado, no anterior, em sucessivos e demasiados anos anteriores, voltamos a ouvir as mesmas culpas e sugestões, a assistir aos mesmos debates, a tomar contacto com diversos estudos de outros tantos peritos, a ouvir falar da constituição de comissões de investigação. Como se há cerca de 5 semanas não tivessem morrido tantas dezenas de pessoas e tantas outras não tivessem ficado sem meios de vida, debilitadas para sempre. 
Mesmo quando, perante a tragédia brutal, queríamos crer que desta vez não seria assim…

Mas poderíamos chegar a conclusões idênticas noutros domínios, como o da Educação, onde o único meio aparentemente eficaz para vencer a burocracia é ... a ilegalidade, como nos mostra a presente questão das matrículas.

Não há democracia que vingue sem capacidade de decisão efectiva, desassombrada e surgindo em tempo oportuno. Ou então correrá o risco de se confundir com mero exercício de retórica.





[1][1] Consultar o portal do Ministério para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em: http://www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mctes.aspx  e, especialmente, o anúncio de medidas como o Orçamento Participativo para a Ciência e a Tecnologia e o correspondente Programa Plurianual , ainda hoje sem data prevista para a sua implementação.

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