22 abril 2017

O Acordo CETA



Teve lugar no passado dia 7 de Abril um Conferência organizada pelo Instituto Europeu em parceria com o IDEFF e o CIDEEF[1], onde foram dados a conhecer e debatidos alguns aspectos importantes do Acordo CETA, celebrado entre a União Europeia e o Canadá, com vista à intensificação dos fluxos comerciais e à promoção do investimento externo.

Iniciativas como esta desde há muito se impunham, tanto mais que foi repetidamente criticado o secretismo do processo negocial e o risco de não serem adoptadas as melhores soluções, na esfera da economia e no tocante à protecção do ambiente e à  salvaguarda dos  direitos sociais .

Economistas de renome consideraram mesmo que, perante uma realidade caracterizada, à partida, por serem já muito reduzidas as barreiras aduaneiras, o que estaria em causa com estes Acordos Globais (começando com o TTIP) seria, sobretudo, um instrumento de pressão para baixar as exigências regulatórias europeias, na medida em que eram reforçados os poderes das empresas multinacionais com a ameaça de elevadas multas aos Estados que lhes limitassem as oportunidades de lucro. O reforço dos direitos de propriedade industrial seria outro dos objectivos, com impacto na perpetuação de situações de monopólio.

A situação actual é a de ter sido aprovado, em Fevereiro de 2017, pelo Parlamento Europeu, o Acordo CETA, que entrou provisoriamente em vigor no que se considera ser da competência exclusiva da U.E..  Mas, como se trata de um Acordo Misto, ou seja, por incluir matérias da competência  dos legisladores nacionais, a  aprovação plena do CETA depende do voto favorável de todos os 44 Parlamentos, incluindo os regionais.

O título da Conferência acima referida não podia ser mais expressivo “ Será o Acordo CETA uma oportunidade para Portugal?”, mas julgamos que  teria sido muito adequado colocar aquela interrogação em momento bem mais recuado no tempo, promovendo a negociação transparente e democrática do projecto de Acordo. Assim não foi entendido, pelo que se foram avolumando dúvidas e multiplicaram-se manifestações de contestação em vários países europeus.

O impacto macroeconómico do CETA, segundo os especialistas que se têm pronunciado, é considerado modesto: um estudo de 2011 admite um acréscimo do PIB na U.E. da ordem de 0,02% e não se prevê um grande estímulo sobre o comércio. Também o impacto sobre o Investimento Directo Estrangeiro será mínimo, visto que já existe um sistema muito aberto.

Devemos, nesta fase do processo, tomar o acordo CETA como acabado?

Disse Paul Krugman que “os Acordos Internacionais são, inevitavelmente, complexos, e não queremos constatar no último minuto - antes do voto de tudo ou nada - que uma  série de coisas negativas (bad stuff) foram incorporadas no texto”.

O que viemos agora a saber é que o Acordo tem 500 páginas e mais de 1.000 de anexos, com muitas incorreções na tradução para português. Para o comum das pessoas, a capacidade de o compreender e ter uma opinião informada é mais do que improvável.

 Mas é fundamental que aqueles que nos representam na Assembleia da República, prestem toda a atenção às críticas da sociedade civil, aos parceiros sociais e ao escrutínio dos especialistas e das entidades especializadas e independentes. Não poderá acontecer que vagas considerações e preconceitos de vária ordem façam passar em claro as questões importantes que podem vir a colocar-se por aplicação do CETA.

Alguns exemplos:

- Se é certo que a protecção do investimento directo estrangeiro é decisiva para o atraír, assim como a que é dada aos nossos investimentos no estrangeiro, haveria que contar com a possibilidade de recorrer às bem desenvolvidas jurisdições nacionais europeias, para além da opção por um tribunal arbitral, com juízes escolhidos pelas partes, como é prática corrente.

Ora o sistema de resolução de conflitos (ISD) previsto no CETA, em vez do mecanismo arbitral tradicional, estabelece um outro, que será imposto, e não dá as mesmas garantias de que os juízes sejam os mais qualificados e equidistantes na apreciação de um caso concreto.

Esta é uma questão que deveria ser reapreciada, tanto mais que não há recurso das decisões ISD e as consequências financeiras para o Estado, se tido como culpado, podem ser multas muito elevadas.

- O “direito a regular” consta do CETA, mas não é claro como pode ser interpretado no concreto. Certo é que o empresário cuida do seu interesse privado, da sua expectativa de lucro, mas ao Estado compete defender o interesse dos seus cidadãos, o que implica contabilizar as externalidades negativas do ponto de vista social/ambiental. A lógica da economia de mercado favorece o interesse privado e assim dificultará soluções equilibradas, quando, por exemplo, esteja em causa a expropriação de uma actividade regulada. Além disso, não é de excluir uma atitude de defesa por antecipação, por parte do Estado quando aprova ou altera uma lei ou regulamento.

- O acesso das P.M.E. aos mercados continuará a ser difícil por requisitos de ordem burocrática e custos específicos, caso não seja prevista maior simplificação para aquelas empresas. Sendo a dimensão das nossas empresas muito reduzida, esta é apontada como uma outra questão a melhorar no CETA.

- Quanto aos direitos laborais, os padrões da O.I.T. são impostos à U.E. e ao Canadá, mas julgamos que não estarão previstas no CETA sanções por incumprimento, ao contrário do que sucede se uma queixa é apresentada por uma multinacional contra um Estado.

- Finalmente, admite-se que possa não estar claro onde acaba a competência da U.E. face aos vários capítulos do CETA. Temos presente que está pendente do Tribunal de Justiça da U.E. um pedido de Parecer da Comissão acerca de um Acordo do mesmo tipo, celebrado com Singapura, para determinar quais as disposições que são da competência exclusiva ou partilhada da U.E. e as que são da competência exclusiva do Estado. Que consequências para o CETA advirão de decisão do T.J.?

Concluindo, não parece que a opinião pública nacional esteja consciente do que está em causa e a pressa com que se quer fazer aprovar o CETA não joga a favor de um debate sereno. Como aceitar a pressão contida no argumento seguinte: “quem não o aprova já, é defensor de uma economia fechada, um isolacionista!”

Urge contrariar estes slogans com argumentos e análises sérias, que tenham em atenção os custos e os benefícios no longo prazo ou demasiado tarde acordaremos para as consequências de uma decisão precipitada.

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