28 fevereiro 2013

Quem Tem Ouvidos para Ouvir que Oiça!

As manifestações convocadas para o próximo dia 2 não devem ser vistas como mais um episódio isolado, nem como representando apenas a força política de quem as convoca. A meu ver, são, antes, uma expressão do enorme e generalizado descontentamento que, presentemente, atravessa toda a sociedade portuguesa (europeia, também), independentemente das diferentes ideologias e simpatias partidárias que lhe subjazem.

Razões para esse descontentamento abundam:
- o desemprego, que atinge mais de um milhão de activos e constitui ameaça para muitas outras dezenas de milhar num futuro próximo, um desemprego que não poupa nem os que pretendem ingressar na vida activa nem os que acumulam muitos anos de experiência de trabalho, mesmo os mais qualificados;
- as desigualdades gritantes de rendimento e de oportunidades que classificam o nosso País como um dos que apresenta indicadores de desigualdade mais elevados em todo o espaço da União Europeia;
- impostos excessivos, mal distribuídos e de legitimidade duvidosa, reduzindo drasticamente o poder de compra da maior parte da população e induzindo recessão económica;
- prestações sociais exíguas e insuficientes para erradicar a pobreza …

Há, sobretudo, o medo, muitos medos acumulados: medo de perder a própria casa de habitação, medo de que arbitrariamente lhe reduzam o salário ou impunemente o deixem de pagar atempadamente, medo de ter de encerrar um pequeno negócio que era ganha-pão de uma família e de um ou dois empregados de longa data, medo de não ter reforma para a qual descontou uma vida inteira, medo de ser assaltado na rua, medo de que os próprios filhos não encontrem vez neste País…

Poderiam existir estas mesmas razões e, ainda assim, o descontentamento não precisar de se expressar de modo tão vibrante nas ruas. Sucede, porém, um facto novo, o de que as pessoas perderam a confiança:
- no governo a quem não reconhecem competência, idoneidade e lealdade para com os cidadãos e de quem não esperam mudanças tidas por fundamentais;
- na Assembleia da República, que tem viabilizado leis e políticas conducentes ao actual estado de coisas e que, no seu próprio modo de funcionamento, dá sinais de privilégios intoleráveis;
- na Justiça, que não funciona com a exemplaridade esperada e não obsta a uma corrupção que envolve largos milhões de euros que faltam ao necessário investimento nas empresas, ao erário público e aos rendimentos das famílias;
- nos órgãos de concertação social e nos parceiros sociais, que não são ouvidos como deveriam…

Nas presentes circunstâncias, aos cidadãos e cidadãs inconformados com a situação, não resta outro escape que não seja o seu grito de descontentamento expresso na rua, ou, na versão mais soft, a canção esperançosa e romântica de Grândola vila morena, terra da fraternidade
Não se espere, porém, que esta seja a última palavra da contestação, que, larvar ou declarada, atravessa todo o País. Podemos estar em vésperas de uma espiral de violência, se a outra espiral, a recessiva, não for travada a tempo, isto é, travada já.

O País carece de crescimento económico (parece que, finalmente, o governo já o reconhece!) mas não um crescimento qualquer, um crescimento económico que seja dirigido para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas e esteja alicerçado num modelo de desenvolvimento de amplo consenso que tenha as pessoas e o bem comum como seu objectivo nuclear e estruturador e seja critério de selecção de caminhos e de instrumentos. Um desenvolvimento que atenda ao território, aos espaços geográficos onde as pessoas vivem, ás suas necessidades e recursos e envolva as respectivas populações num desígnio colectivo de participação criativa na indispensável mudança.

As novas formas de comunicação em rede poderão contribuir para a criação de uma consciência colectiva alargada acerca da necessidade de mudança. Mas isso não basta. Vivemos hoje em sistemas muito complexos com dinâmicas próprias que exigem conhecimento específico para a construção de soluções credíveis.

O paradigma económico que serve de critério à actual governação, em Portugal e na União Europeia, falhou do ponto de vista do desenvolvimento, na sua dupla vertente de sustentabilidade ambiental e de coesão social, e já afecta hoje os alicerces da própria democracia, tal como a conhecemos e está contemplada nas constituições, mas permitiu a acumulação de riqueza nas mãos de uma minoria e uma hegemonia do poder financeiro sobre a economia e a política, pelo que se impõem mudanças radicais, também no que diz respeito ao paradigma societal, economia incluída.

As manifestações de rua cumprem o seu papel de fazer ouvir a voz do descontentamento. Os caminhos de mudança têm, porém, de ser pensados, construídos e politicamente consensualizados em outros espaços. Deposito esperança em iniciativas várias, como sejam: a Auditoria Cidadã à Dívida; o Congresso das Alternativas, a Rede Economia com Futuro.

A comunicação social pode desempenhar um papel importante quer na denúncia atempada e persistente das situações injustas e atentatórias da dignidade das pessoas e dos seus direitos básicos e constitucionais, como na difusão das propostas alternativas.

Quanto às manifestações de rua previstas para sábado, a minha recomendação só pode ser esta: Quem tem ouvidos para ouvir que oiça!
Amanhã, pode ser tarde…

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