25 janeiro 2013

Como o “regresso aos mercados” incentiva a construção de “ninhos atrás das orelhas”

Não se tem falado de outra coisa: o êxito do regresso aos mercados por parte de Portugal.

Dizem os mais credibilizados comentadores que se outro mérito não tivesse, este regresso tem, pelo menos, o de mostrar às instituições que se relacionam com a economia e sociedade portuguesas, que o nosso país já se encontra em condições de poder suportar a prova de fogo que são “os mercados” dispensando, por isso, progressivamente, a mãozinha protetora das instituições que a troica representa.

Será mesmo assim?

A emissão do dia 23 de Janeiro consistiu na colocação no mercado financeiro de títulos de dívida pública portuguesa (obrigações do tesouro), com um horizonte temporal de reembolso de 5 anos, tendo por trás um sindicato de quatro bancos estrangeiros que tomariam firme o montante que o Estado queria obter, caso o mercado não desse a resposta que se esperava. Não se chegou, no entanto, a saber qual seria a taxa que o sindicato exigiria para ficar com a dívida caso ela não fosse colocada, mas seria certamente superior à que veio a ser fixada pelo mercado. De outro modo, não era preciso ir ao mercado.

O que é certo é que o mercado revelou uma procura de títulos quatro vezes superior à oferta que o Estado português queria colocar (mais de 10 mil milhões, contra 2,5 mil milhões) e veio a fixar a taxa de juro em 4,89%.

Vale a pena interrogarmo-nos sobre se euforia em torno desta ideia de regresso aos mercados é justificada. Com efeito, o financiamento obtido pelo Estado tem vindo, há cerca de ano e meio, a ser obtido, quer por via do empréstimo da troica, quer por via de empréstimos de curto prazo obtidos no mercado. Portanto, não houve regresso, porque já lá estávamos; houve regresso sim, mas aos mercados de compra de títulos de maturidade longa (neste caso de 5 anos).

É isto uma grande vitória? Nem tanto. Não podemos esquecer que uma parte substancial dos méritos da colocação da dívida se deve às intervenções do Banco Central Europeu no mercado secundário, ou da sua disponibilidade para essa intervenção. Seria bom sabermos em que condições se processaria o regresso ao mercado caso esta intervenção ou a sua ameaça não existissem, mas isso não é revelado.

Relativamente à taxa de juro obtida de 4,89% não parece que as trombetas devam sair dos armários. A taxa de juro do empréstimo da troica tem uma taxa média de 4% e para horizontes temporais muito mais longos, que podem ir até aos 12 anos. Quer dizer, estando Portugal em situação difícil no que diz respeito ao cumprimento do serviço da dívida, estamos perante uma operação que vem agravar o custo desse serviço.

Este regresso tem sustentabilidade? As maiores dúvidas devem ser colocadas. Em primeiro lugar porque o êxito da colocação da dívida assenta num empobrecimento generalizado do país, o que justifica que se pergunte se com uma situação económica e social como a que observamos vai alguma vez ser possível criar riqueza que permita que a dívida existente possa vir a ser paga.

Não esqueçamos que se tem afirmado que uma dívida só pode ser paga se a economia crescer a uma taxa equivalente à taxa de juro média da dívida, em todas as maturidades. Admitamos que é de 3%. Onde é que está prespetivada a taxa de crescimento de 3% nos próximos tempos?

Ora, se a economia não crescer, não vai haver dinheiro para pagar a dívida e os seus juros, e será necessário continuar a vender mais dívida para pagar a dívida anterior e o seu serviço, e para financiar os compromissos do Estado, ainda que alguns deles possam ser considerados ilegítimos.

Não esqueçamos que, no mesmo dia em que se anunciam os feitos do regresso aos mercados, o FMI anuncia uma nova projeção em alta da recessão na eurozona e as “agências de rating” consideraram que a economia portuguesa vai continuar a aprofundar a recessão.

Onde está, então, a razão para a festa?

Fazer o ninho atrás da orelha, se alguma explicação é necessária, significa que alguém, que não o proprietário da orelha, quer enganar ou ludibriar o dono da orelha. 

É, por isso, muito assertivo dizer que a questão que consiste em manifestar o regozijo com o regresso aos mercados, mais não é do que construir atrás das orelhas mais ninhos. Também se compreende porque é que o ninho é feito atrás das orelhas. É que o dono das orelhas (nós) só com muita dificuldade consegue ver o que por lá andam a fazer, que é precisamente o que pretendem os construtores de ninhos que não são passarinhos, mas uns grandes passarões.

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